terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Breve digressão sobre ética de convicção e ética de responsabilidade


Costuma-se dizer que, para tudo, existe um limite ético. O que seja esse limite ético, no entanto, eis a questão. Para os religiosos, seriam as leis de Deus. Para os não religiosos seriam padrões comportamentais aceitos consensualmente pela sociedade. Adotar parâmetros éticos seria, portanto, admitir limites independentes de nossa concordância. Tanto para religiosos como para não religiosos, porém, a moral é individual e a ética é coletiva. E ambos vivem sempre o conflito entre a moral e a ética.
Os religiosos tendem a analisar a sociedade e o mundo (porque não dizer: o universo todo) pelos postulados do que chamam lei de Deus. A postura moral individual, educando seus corpos e mentes, serve também para nortear a postura diante do outro. Para o religioso, portanto, a sociedade, o mundo e o universo devem moldar-se pelos postulados morais. De alguma forma a lei de Deus seria também a lei natural, governando tanto a postura dos homens em relação a si mesmos e entre si como, também, os corpos celestes. Trata-se portanto da convicção de que a moral é válida porque verdadeira, porque congruente com a vontade de Deus. O compartilhamento de padrões morais acarreta, pela mentalidade religiosa, a postura ética.
Os não religiosos também têm convicções, quando pretendem suas idéias sejam compartilhadas, pois admitem-nas como verdadeiras. Aquilo que confere veracidade à idéia torna-a objeto de convicção. Ao conjunto de idéias verossímeis a mobilizar o homem individual e coletivamente, denominamos ideologia e diz respeito tanto a religiosos como a não religiosos. A ideologia de um grupo religoso ou não religioso, porém, nem sempre coincide com a de outro grupo. O conflito de ideologias é, portanto, inerente à convivência do homem com o próprio homem.
A convivência humana somente é possível se houver acordo implícito e explícito para as divergências serem resolvidas pela maioria pacificamente pois, do contrário, teríamos uma guerra de todos contra todos o que, evidentemente, inviabilizaria qualquer convivência social. Tanto religiosos como não religiosos convivem entre si, preservando a sociedade, estabelecendo parâmetros além de suas próprias convicções que chamaríamos, grosso modo, de limites éticos. Isso somente é possível partindo-se do pressuposto de que todos são responsáveis pela convivência social, em diferentes graus de responsabilidade obviamente.
Max Weber em outro contexto estabelece a distinção entre a ética da convicção e ética da responsabilidade. Analisando o comportamento dos políticos, chega a conclusão de que quanto mais se envolve com a própria política, menos se apega às próprias convicções. Por esse motivo é muito comum o político contrariar pontos de vista que defendia ao investir-se em cargo público: o atendimento ao interesse público demanda atitudes pragmáticas, muitas vezes em contradição aos programas partidários anteriormente adotados. Para Weber, a ética de convicção diz respeito aos usos e costumes que governam a esfera privada, enquanto a ética de responsabilidade refere-se aos usos e costumes relativos à esfera pública.
Seja no contexto religioso, seja no contexto não religioso, sempre nos deparamos com atitudes motivadas pela ética da convicção ou pela ética da responsabilidade. Como em nosso quotidiano vemos sempre a intesecção da esfera privada com a esfera pública, somos levados muitas vezes a agir contrariando nossas convicções, pois o socialmente correto tem as suas exigências e suas responsabilidades, resultante de um consenso onde somos minoritários, não nos restando outra alternativa a não ser sujeitarmo-nos à vontade da maioria.

Nenhum comentário: