terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Armadilhas da razão


Armadilhas da razão

À Ana Furacão


Vivemos sempre um dilema: sermos estritamente racionais ou esquecer a razão. Atitude cartesiana que reduz, obviamente, nossa percepção do mundo e, no limite, nossa própria capacidade de viver no mundo.

Gilbert Keith Chesterton (1874-1936), pensador, ensaísta, escritor e poeta inglês dizia ninguém ser mais racional do que os loucos. Nos manicômios, encontramos pessoas plenamente conscientes de seus delírios que os defendem de forma racional face à nossa normalidade. A extrema racionalidade é uma forma de loucura. Não quer dizer que a loucura seja mais saudável do que a racionalidade. Eis o paradoxo.

São as chamadas "armadilhas da razão". Francisco de Goya (1746-1828), célebre pintor espanhol, coloca em uma de suas gravuras a frase: "El sueño de la razón produce monstruos". A tradução dessa frase para o português não é simples e serve como exemplo do que sejam as "armadilhas da razão".

Considerando a palavra espanhola "sueño" significar tanto sonho como sono, há duas possíveis traduções, com dois sentidos diferentes:

(1) O sonho da razão produz monstros: se nos deixarmos levar simplesmente pela razão criaremos inevitavelmente monstros, ou seja: quimeras, os monstros criados por nossa imaginação. O exemplo mais acabado é a ciência. Há aqueles que acreditam na ciência como conhecimento totalmente racional e, com isso, admitem como verdadeiro tudo aquilo que for cientificamente demonstrado. Einstein acreditava nisso quando subscreveu a carta endereçada ao presidente dos Estados Unidos para que este autorizasse a fabricação da bomba atômica. E a população de Hiroshima e Nagazaki suportaram as conseqüências...

(2) O sono da razão produz monstros: se ignorarmos a razão, deixando-nos levar simplesmente pelas emoções e pela intuição, inevitavelmente criaremos quimeras. Aqui situamos todo atraso que a religião trouxe à humanidade nos últimos 2000 anos, sem negar a espiritualidade como inerente à natureza humana.

Faz parte da natureza humana produzir quimeras. Francis Bacon (1561/1626) chamava-as de ídolos (idola): erros presentes na mente ou que esta constrói. Eram divididos em idola tribus (erros comuns a toda humanidade), idola specus (erros decorrentes de nossas avaliações subjetivas), idola fori (decorrentes de nossa linguagem imperfeita) e idola theatri (erros provenientes das escolas filosóficas, que substituem o mundo real por um mundo artificial, jogo cênico). Se o homem coloca sua marca em tudo aquilo que produz, nada está isento de ídolos. Seja o conhecimento mais fantasioso, seja o conhecimento mais científico.

Como fugir às armadilhas da razão? Siddhartha Gautama o Buda, príncipe que viveu no reino de Shakya aproximadamente entre 563 e 483 a.C., ensinou a verdade estar no caminho do meio. Se o sonho da razão produz monstros, a única forma para fugir dessa armadilha é deixarmo-nos levar também pelos sentimentos e pela intuição. Com isso talvez consigamos algum antídoto contra as fantasias criadas pela razão. E se é verdade que o sono da razão produz monstros, somente temperando as fantasias com a razão conseguiremos manter os pés no chão.

Kardec, penso, tinha consciência disso, ao recomendar a utilização da razão e do bom senso. Kardec não era cartesiano, portanto. Apesar de muitas opiniões em contrário.

2 comentários:

Unknown disse...

Durante toda a minha humilde vida procurei colocar ´´minha marca em td aquilo que faço´´ lendo o texto observo que continuo e continuamos a humanidade no mesmo dilema procurar sempre o meio termo como fiel da balança em td na vida.
Algumas pessoas me procurando para que eu seja o fiel da balança deles, para que opine sobre determinada situação, me considera uma pessoa imparcial nas opiniões, talvez eu deva isso a intuição.
Talvez tbém deva isso a capacidade de raciocinar vários ângulos de uma mesma questão...quem sabe ao certo...

O Amor disse...

Belíssimo blog, belíssimo texto. Ainda por cima, entre os colaboradores encontro um meu xará - André Luís Soares.

A razão apenas, não conduz à felicidade. A modernidade mostra isso. Até porque, a razão é um conceito duvidoso e, por vezes, mutável. Já fez parte da razão humana entender a Terra como o centro do universo.

No entanto, o 'caminho do meio', o equilíbrio de que falava Buda, também não é algo fácil de atingir.

Mas vou ler mais vezes esse texto, para poder discuti-lo melhor. Não me parece justo que esse texto seja lido assim: na pressa da hora do almoço.

Então, volto depois para ler mais. Sucesso a todos vocês,... hoje e sempre!

Grande abraço!
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